Objetivos, problema e justificativa

Este plano de trabalho consiste na análise gráfica de 50 casas urbanas construídas no Brasil entre 1780 e 1890. O seu objetivo geral é identificar continuidades e transformações nas dimensões, proporções e disposição de cômodos por meio do redesenho e estudo da documentação gráfica existente na bibliografia e em processos dos órgãos federal e estaduais de patrimônio cultural. Os objetivos específicos necessários à sua consecução são:

  • Identificar 50 casas com desenhos arquitetônicos publicados na bibliografia do campo disciplinar e em processos do patrimônio cultural, equilibradas no recorte cronológico deste plano e com ênfase na região do Planalto Central;
  • Redesenhar digitalmente as plantas e outros desenhos existentes, identificando as dimensões e proporções dos cômodos;
  • Estabelecer tipos de distribuições espaciais e identificar padrões de semelhanças e transformações na modularidade dimensional e nas proporções das casas estudadas;
  • Compilar as comparações em quadros gráficos.

O período colonial, do ciclo do açúcar ao auge do ciclo do ouro é popularmente identificado como a epítome da arquitetura tradicional luso-brasileira. No entanto, o projeto de pesquisa ao qual este plano de trabalho pertence propõe, ao contrário, que o período entre finais do século XVIII e a República é mais representativo tanto em quantidade de construções no registro doméstico, quanto na consolidação de características morfológicas e construtivas vernaculares. Além disso, o conhecimento morfológico acerca da arquitetura das casas luso-brasileiras dessa época ainda é eivado de lugares-comuns questionáveis, herdados de uma bibliografia de referência que remonta à década de 1970.

À luz de tais pontos cegos interpretativos, este plano de trabalho assume a tarefa de constituir uma base de referências arquitetônicas para revisitar os pressupostos estabelecidos acerca da história da casa brasileira. Para tanto, vale-se do instrumental corrente nos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo: localização e interpretação de referências bibliográficas e de documentos já organizados em processos administrativos, desenho técnico computadorizado, e o estudo da geometria das construções por meio de critérios estéticos e matemáticos.

O recorte temático proposto pela arquitetura doméstica tem como propósito enfatizar a originalidade das contribuições tipológicas e construtivas desse período, questionando a noção de uma sociedade luso-brasileira estagnada desde o período colonial até a modernização do período republicano. Tal originalidade se apresenta, sobretudo, contra o fundo de suposições arqueologicamente infundadas quanto à existência da maior parte do tecido construído dito “colonial” nas cidades brasileiras antes de 1750. Como vem sendo explorado em outras ações deste projeto de pesquisa, o registro documental e arqueológico brasileiro carece de indícios convincentes capazes de situar grande parte do nosso tecido construído vernáculo no período anterior a finais do século XVIII.

O resultado deste plano de trabalho será um “documentário arquitetônico”, um catálogo crítico de formas e tipos atestados na história da arquitetura doméstica brasileira. Além de ser por si próprio um recurso importante para pesquisas de aprofundamento futuras, este catálogo compõe um corpo de documentação que vem sendo produzido desde 2020 no âmbito deste projeto de pesquisa. Tal corpo constitui um material unificado, em breve a ser divulgado online, sobre a consolidação de uma tradição arquitetônica luso-brasileira da época imediatamente anterior e do meio século posterior à Independência. Esse período é pouco valorizado e estudado no âmbito da arquitetura doméstica, devido à sua condição presumida de limbo entre a formação do território nacional durante os dois primeiros séculos da colonização e a modernização dos modos de morar iniciada na primeira República.

Mais ainda, o crescente reconhecimento da paisagem arquitetônica corrente do século XIX como patrimônio cultural demanda um correspondente conhecimento morfológico de suas características, de modo a respaldar as diretrizes e políticas de preservação de sítios históricos. Estas não se resumem mais, como em meados do século XX, a reconstituir um hipotético tecido colonial considerado a priori como de pedigree mais elevado, e sim em reconhecer a particularidade e, portanto, o valor singular das casas originárias do século XIX ou transformadas durante este século.

Viabilidade, recursos e metodologia

Conforme exposto nos objetivos, este plano de trabalho se desenvolve em três etapas:

  1. Compilação de fontes bibliográficas e documentais referentes a casas construídas no período 1780–1890;
  2. Redesenho analítico da documentação arquitetônica;
  3. Análise e classificação das casas estudadas em categorias tipológicas.

A carga de trabalho para a execução das atividades de todas as etapas está estimada em 10 horas semanais durante a vigência do plano de trabalho.

O material bibliográfico e documental compreende elementos pré-selecionados desde já disponíveis para os pesquisadores, pertencentes ao acervo das bibliotecas da Universidade de Brasília ou ao acervo pessoal do orientador, bem como documentos técnicos de licitações já publicadas e cujas cópias digitais já estão arquivadas pelo grupo de pesquisa. Embora esses materiais já cumpram a meta numérica estabelecida para este plano de trabalho, será feita uma pesquisa por mais material de modo a melhorar a representatividade geográfica e cronológica do repertório.

A análise visual como instrumento da pesquisa histórica é um método consagrado no campo disciplinar da arquitetura. Trata-se de instrumento complementar aos estudos sociais e econômicos baseados em fontes escritas. Os aspectos visuais e espaciais preeminentes das construções pertencem a quatro categorias, da mais abstrata à mais tangível:

  1. Tipo de configuração distributiva, compreendendo a orientação do lote e da edificação (longitudinal, transversal ou centralizada), a disposição de cômodos e circulações, e a existência de espaços dominantes por suas dimensões e posição;
  2. Dimensões e proporções de cômodos, espaços abertos e elementos construtivos, incluindo as relações entre largura, comprimento e altura, grau de abertura ou fechamento de espaços;
  3. Relações entre cheios e vazios, incluindo proporções entre dimensões lineares e áreas de paredes e aberturas, espessuras de paredes e perfis de vãos estruturais (vergas ou arcos de aberturas);
  4. Perfis de molduras ornamentais e detalhes construtivos, tais como cimalhas, umbrais de portas e janelas, silharias, rodapés, forros e guarda-pós.

A documentação gráfica existente na bibliografia e processos não será homogeneamente detalhada para todas as casas estudadas, resultando em informações de qualidade desigual para as categorias citadas. Tal discrepância é esperada e não comprometerá a visão de conjunto dos resultados.

Este plano de trabalho será executado com os recursos seguintes:

  • Acesso a processos de órgãos do patrimônio cultural, publicados na forma de inventários, licitações, ou podendo ser consultados a pedido;
  • Acesso a recursos bibliográficos das bibliotecas da Universidade e do acervo pessoal do orientador;
  • Computador pessoal com instalação de software livre necessário para as atividades: LibreOffice (planilhas), QCAD (desenho técnico) e QGIS (georreferenciamento), ou programas equivalentes conforme a necessidade e disponibilidade, podendo ser equipamento próprio do aluno, do orientador, ou um computador da Universidade já instalado no Laboratório de Estudos da Urbe (LabeUrbe), na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Todos os recursos elencados acima já se encontram à disposição do grupo de pesquisa ou estima-se que possam ser obtidos ou remanejados em tempo hábil.

Bibliografia

Aragão, Solange de. Ensaio sobre a casa brasileira do século XIX. São Paulo: Blucher, 2017. https://openaccess.blucher.com.br/article-list/ensaio-sobre-a-casa-brasileira-do-seculo-xix-324/list.
Guimarães, Marcos Vinícius Teles. “Casario imperial: arquitetura urbana em transformação - São João del-Rei, c. 1810-1880”. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo), Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2016. https://doi.org/10.11606/T.16.2017.tde-20122016-142726.
Klüppel, Griselda Pinheiro. “A casa e o clima: (trans)formações da arquitetura habitacional no Brasil (século XVII–Século XIX)”. Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Arquitetura, 2017. http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/24902.
Malta, Marize, e Isabel Mayor Godinho Mendoça, orgs. Casas senhoriais Rio-Lisboa e seus interiores. Rio de Janeiro: Editora ufrj, 2013.
Marins, Paulo César Garcez. Através da rótula: sociedade e arquitetura no Brasil, séculos XVII a XX. Série Teses. São Paulo: Humanitas : Edusp, 2001.
Oliveira, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano. Casas esguias do Porto e sobrados do Recife. Recife: Pool Editorial, 1986.
Oliveira, Maria Luiza Ferreira de. “Em casas térreas com alcovas: formas de morar entre os setores médios em São Paulo, 1875 e 1900”. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material 8–9, no 1 (2001): 55–76. https://doi.org/10.1590/S0101-47142001000100003.
Palazzo, Pedro P. “A casa corrente de 40 palmos (± 2): um tipo português da idade liberal”. Em Olhares contemporâneos sobre arquitetura vernácula/popular, organizado por Marcia Sant’Anna e Marco Antônio Penido de Rezende. Salvador ; Belo Horizonte: Editora UFBA : Editora UFMG, 2022.
———. “Vernacular Patterns in Portugal and Brazil: Evolution and Adaptations”. Journal of Traditional Building, Architecture and Urbanism, no 2 (10 de novembro de 2021): 359–70. https://doi.org/10.51303/jtbau.vi2.524.
Santos, Ana Lucia Vieira dos. “A casa carioca: estudo sobre as formas de morar no Rio de Janeiro, 1750–1850”. Tese de Doutorado em História, Universidade Federal Fluminense, 2005.
Vaz, Maria Diva Araújo Coelho, e Maria Heloisa Veloso e Zárate. A casa goiana: documentação arquitetônica. Série Raízes 4. Goiânia: Editora ucg, 2003.

Competências

A aluna domina os requisitos técnicos e interpretativos para a execução deste plano de trabalho: tem desenvoltura no uso dos programas necessários à representação das casas, bem como possui avançado domínio do desenho à mão para realizar estudos interpretativos do material pesquisado. Para além do mínimo exigido, domina também programas de editoração e tratamento de imagens que serão acréscimos valiosos no processamento do conteúdo gerado.

A aluna possui afinidade com o estudo da arquitetura, cultura e história do Brasil. De estudos e pesquisas anteriormente desenvolvidas sob orientação de outros professores, traz uma percepção sobre as narrativas multifacetadas da vida doméstica ao longo da história. Além disso, demonstra interesse na metodologia de documentação de padrões e seus propósitos sociais e simbólicos, bem como nos desdobramentos desta pesquisa para a preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Cronograma

Mês Atividade
1 Exploração e levantamento dos arquivos e da bibliografia
2 Levantamento e classificação do material de arquivo e bibliográfico
3 Levantamento e classificação do material de arquivo e bibliográfico
4 Representação geométrica e topológica dos exemplares
5 Representação geométrica e topológica dos exemplares
6 Análises de elementos e preenchimento da base de dados
7 Análises de elementos e preenchimento da base de dados
8 Análises de elementos e preenchimento da base de dados
9 Avaliação visual e classificação dos resultados
10 Redação do relatório final
11 Revisão e formatação do relatório final